Como você se sente quando posta uma foto, sobe um vídeo ou expõe sua opinião nas redes sociais? Qual é a sensação? Você se sente satisfeito? Talvez integrado à sociedade? Quem sabe um influenciador? São questionamentos que podem gerar inúmeros caminhos, alguns mais superficiais e outros mais complexos. O filme “NOT OKAY” se desenvolve na rota mais intensa da busca por aceitação, relevância e autopromoção.
O filme NOT OKAY é um filme de comédia dramática bem contemporâneo, lançado em 29 de julho de 2022, no Hulu nos Estados Unidos e aqui no Brasil pela Star+. Seu título foi adaptado para “Uma influencer de mentira”, demonstrando a temática da história.
Direção: Quinn Shephard
Produção: Brad Weston e Negin Salmasi
Roteiro: Quinn Shephard
Elenco: Zoey Deutch como Danni Sanders, Dylan O’Brien como Colin, Mia Isaac como Rowan, Embeth Davidtz como Judith, Karan Soni como Kevin, Brennan Brown como Harold, Nadia Alexander como Harper, Tia Dionne Hodge como Linda, Negin Farsad como Susan, Sarah Yarkin como Julie, Dash Perry como Larson
O filme conta a história de Danni Sanders em sua busca incessante por aceitação, fama e seguidores, para isso a personagem não considera as implicações e simula uma ida à França com fotografia e posts falsos, porém o que parecia ser uma mentirinha transforma sua vida.
Por que Danni faz isso? Ela quer se sentir amada, pertencente à sociedade, possuidora de propósito, relevante e tantos outros aspectos que são inerentes ao ser humano, porém nas redes sociais essas necessidades são potencializadas à níveis astronômicos, criando assim um ciclo de carência e prazer que se retroalimenta, o mesmo condicionamento de um adicto com seu entorpecente.
A forma de interpretar a vida passa a ser modulada pelas redes sociais, para Danni alcançar o status de influencer famosa solucionaria todos os seus problemas, tanto os externos como os internos, um verdadeiro pote de ouro no fim do arco-íris, como se um feed e um número expressivo de seguidores pudesse ser a totalidade de sua vida.
A discussão sobre auto-exposição nas redes, culto à personalidade, o pavor da solidão, a gestão de si como marca e seus efeitos não ficam restritos à arte. A ciência também elabora suas respostas sobre os novos fenômenos, desenvolvendo conceitos e métodos próprios para uma discussão fundamentada.
Nesse sentido, Paula Sibilia produziu o livro “O Show do Eu: a intimidade como espetáculo”, originado de sua tese de doutorado para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sibilia apresenta um panorama concreto e científico para esses fenômenos que também são tratados no filme, por isso nossa escolha em definir esse artigo como “Not Okay: um reflexo do show do eu”.
Para não ficar apenas em nossas palavras, e caso você queira aprofundar um pouco mais no assunto, separamos uma entrevista dela ao Canal Brasil disponível no YouTube:
Trilha de Letras recebe Paula Sibilia | Programa Completo
SPOILERS A SEGUIR! DANGER! DANGER! DANGER!
Danni para convencer as pessoas que foi à França, fica reclusa em seu quarto por uma semana produzindo e editando as fotos ela mesma engendrou em seu quarto, para isso utiliza-se do Adobe Photoshop, programa de edição bem conhecido para tratamento de fotografias, montagens e artes digitais. Ela recorta sua imagem em primeiro plano e altera o fundo do quarto para algum ponto turístico parisiense, também se esforça em utilizar elementos característicos, como vestuário e itens da gastronomia francesa.
Na mente de Sanders, o plano não teria como dar errado, até que um terrorista ataca o Arco do Triunfo no momento seguinte de uma postagem da protagonista, a partir desse momento o filme ganha outra rítmica e o sonho (ou pesadelo) da personagem se inicia.
Danni tinha à sua frente uma grande decisão, ou revelava que estava no seu quarto em segurança, ou se aproveitava da “oportunidade” para aplacar seu nome como uma sobrevivente de uma tragédia histórica, adivinha qual foi sua decisão?!
E assim a personagem se dirige até o aeroporto no horário do desembarque do primeiro voo vindo de Paris, o local do atentado, se mistura aos passageiros e é recebida pelos pais (que não sabem a verdade), onde é filmada pela TV norte-americana, visível nesta cena:
A vida da protagonista se transforma bruscamente, ela se torna amada e destacada como sempre sonhou: valorizada no trabalho, notada pelo crash famoso, convidada para eventos sociais, sua fala centra as atenções e principalmente, se transforma em uma influencer famosa. Para sustentar a farsa, Danni recorre a um grupo de apoio composto por pessoas que sofreram traumas da mesma natureza, seu objetivo é obter relatos que a ajudem escrever um artigo sobre o episódio marcante, do qual ela nunca viveu.
Se o que ela está fazendo é moralmente errado ou eticamente indevido não importa para Danni Sanders, ela está desesperada por reconhecimento, para ser vista e reconhecida. O que você faria em seu lugar?
O filme mostra que o “mundo” das redes sociais tem um mecanismo de hierarquização e poder muito poderoso, se você não tiver seguidores, não terá amigos e a protagonista está desesperada por ter alguém que goste dela, alguém que se importe, logo o foco dela está em escrever um artigo que emplaque nos trend topics, ou seja, ser vista, admirada e estar nos assuntos de todos é o que importa. E principalmente, ter seguidores o bastante para nunca mais se sentir sozinha, pelo menos é o que Danni Sanders acredita.
A dor pode ser capitalizada para impactar um grande número de pessoas, gerar produtos e criar celebridades, assim age Danni, utilizando-se da compaixão para criar uma identificação. Ao escrever seu artigo, ela expõe de forma tão “crua” a sua dor, embora não estivesse no local do atentado, a protagonista possui sofrimentos internos que estão intimamente ligados à sociedade do “show do eu”.
Sua publicação gera engajamento nas redes sociais e identificação massificada, principalmente pelo hashtag #IAMNOTOKAY (não estou bem), indo de encontro ao imaginário coletivo. Por que será? O roteirista consegue problematizar a relação com as redes sociais, elas contemplam nossos melhores momentos em representações sintéticas, como se a dor, a tristeza e a frustração não fizessem parte da vida, portanto admitir que “não se está bem”, gera um engajamento mundial no filme.
O desejo de existir, vai além de uma questão de ego, é uma necessidade de bem estar mental, não ser apenas um número nas estatísticas ou um rosto entre milhões de rostos que passam em uma multidão sem nunca realmente ter sido percebido por alguém. Ela conseguiu isto, com base em um artigo escrito por relatos de participantes de um grupo de alto ajuda que ela foi apenas para conseguir uma base sólida e argumentativa de sua mentira. Ao usurpar os traumas das outras pessoas ela roubou suas histórias e traumas para criar um circo midiático para se engrandecer de certo modo aos olhos do público.
Neste grupo de alto-ajuda ela conhece a digital influencer e defensora da causa anti-armas Rowan, que ao passar por um evento traumático envolvendo um tiroteio na escola que estudava, resolveu utilizar as mídias sociais para conscientizar a todo. Danni Sanders se aproximou de Rowan visando utilizar sua fama e seus relatos para se tornar relevante nas redes, apesar de surgir um sentimento de amizade durante a relação das duas, as mentiras teriam efeitos desastrosos.
De modo que as pessoas amam rapidamente celebridades, é uma espécie de culto da personalidade, como aponta Sibilia, essa é a regra para ser um influencer, características pessoais midiáticas que levam uma legião de fãs, porém da mesma maneira e intensidade se odeia nas redes, gerando ataques violentos e massificados, sendo ameaças virtuais ou não. A comunidade online é tóxica e não tentam disfarçar, quando amam é demais e quando odeiam são catastróficos ao ponto de destruir a vida de uma pessoa.
É o caso de Danni, obviamente a história entraria em colapso com a descoberta da mentira, com a mesma repercussão que a tornou amada, a protagonista é comparada no crivo desmedido das redes à Hitler. Ofensas não ficam apenas por de trás das telas, ela é ameaçada quando reconhecida e seu nome que outrora se tornou um marco de uma geração que sabe que não está bem, torna-se o objeto das frustrações generalizadas.
O filme tem um final aberto e esta discussão também, a ideia aqui não é fechar o assunto, compreender a totalidade do fenômeno ou definir com exatidão as consequências dessa realidade. Esse tempo que passamos juntos serviu de reflexão e quem sabe, pode proporcionar uma relação diferente com as redes, pois a radicalidade da vida digital pode produzir consequências extremas como o filme NOT OKAY retratou.