Por Priscylla Graziella

Observa-se ao longo dos anos que as construções históricas humanas, no que refere ao desenvolvimento social de convívio, os grupos de parentescos desde o inicio se deu através de uma explicita relação de poder, onde o homem detém total soberania para com sua mulher, seus filhos, animais e suas propriedades. Ressaltando que o domínio sobre o outro não é especifico ao pai, chefe, da família e sim pertencente à figura masculina. Partindo desta analise o patriarcado tornou se parte fundamental na formação estrutural da sociedade. A partir desse momento os papeis hierárquicos de poder se estabelecem e o lugar, principalmente, da mulher se mostra delimitado por sua atribuição funcional, apenas para reprodução, eliminando toda possibilidade de identidade feminina.
A sociedade da atualidade se modificou e se miscigenou, porém os conceitos -às vezes primitivos- baseados nos preceitos sexuais como a divisão do trabalho a partir do gênero do individuo, por exemplo, permanecem. Essa característica propicia o surgimento de desigualdades de gênero, que se iniciam muito antes da mulher estabelecer se no mercado de trabalho, a construção social do patriarcado influencia, de forma negativa, na formação psicológica das mulheres, isso por que a opressão ideológica do machismo estruturado perpassa toda a infância feminina. Temos como exemplo as formas distintas de criação das crianças, os meninos são estimulados desde cedo a ser forte, reprimir sentimentos e ser independente, inclusive o mesmo possui maior preparo para o mercado de trabalho se comparado ao investimento realizado para uma mulher, por exemplo, já as meninas possuem sua educação inteira voltada para o cuidado do lar, ser delicadas, dóceis e submissas a outrem, a elas não são ensinados mecanismos de auto-suficiência.
A criação baseada nos quesitos abordados anteriormente ocasiona inúmeros problemas para o desenvolvimento social feminino, a mulher não esta preparada para a liberdade, por que ela nem sequer deveria ter – no ponto de vista patriarcal – quando esta se vê diante dos desafios impostos pela sociedade ela não possui estrutura suficiente para se manter no mercado de trabalho e enfrentar todas as desigualdades existentes se sentido insuficientes e incapacitadas, gerando um desejo de retorno ao protecionismo exercido pelos pais, assim, ou essas mulheres não consegue se desenvolver ou constantemente estão à procura de alguém que a possa salvar. Quando esta se desenvolve, por vezes, a ocorrência é em uma posição secundária, o que reforçar a auto estima fragilizada que é gerada no psicológico de grande parte das mulheres. Estrutura essa, fragilizada não por falta de capacidade, mas por questões externas, no caso do âmbito familiar e social.

Segundo Bauman a sociedade “Pós-Moderna” é caracterizada pela perda dos valores culturais antes estabelecidos como os mais nobres e elevados, traduzindo na perda da identidade social atual. Os princípios anteriores vêm sendo remodelados redimensionando os valores familiares atingindo também as mulheres, ressignificando sua funcionalidade na sociedade. As mulheres no mundo atual necessitam se inserir no mercado de trabalho para atender as novas modelagens da sociedade e nesse cenário além de enfrentar as questões relacionadas ao desenvolvimento psicológico afetado pela estrutura patriarcal opressora ela se vê em um espaço de clara desigualdade de gênero, já que mulheres cumprindo funções empresariais compatíveis a dos homens recebem salários menores, sendo de ate 7% favorável ao homem, analisando apenas questões de gênero. Se avaliarmos a divisão social de trabalho, veremos que além do trabalho formal, isso se o mercado permitir que ela alcance emprego formal, as obrigações das mulheres se estendem para as atividades da vida privada, ou seja, a mulher moderna necessita conciliar a carreira profissional e as obrigações referentes a afazeres domésticos e a educação dos filhos.
Se para uma mulher branca as opressões são claramente visíveis quando esta se compara ao homem, branco, como a mulher negra se encaixa nesse processo de múltiplas opressões. Já que no caso da mulher negra em especifico as questões sociais e raciais se mostram presentes durante toda sua vida, enquanto a mulher branca sente as opressões de gênero, principalmente, quando inseridas no mercado de trabalho a mulher negra se vê oprimida desde que nasce por sua cor.
Opressão dentro do feminismo
Analisando os períodos históricos referentes ás lutas e pautas feministas, observa-se que em alguns momentos as necessidades abordadas não abrangiam totalmente os problemas enfrentados pela população majoritária feminina. A exemplo dessa afirmação temos a primeira onda[1] feminista, nesse período a pauta principal era a ampliação de direitos públicos, como o direito ao voto e maior participação nos quesitos políticos e econômicos. A mulher, geralmente branca e de classe media/alta, que usufruía o direito de maior liberdade necessitava transferir a responsabilidade do cuidar do lar a outrem, tornando expressivo a partir de então o lugar da mulher negra, esta que não foi alcançada pelos direitos conquistados, devia conciliar sua vida “profissional” (trabalhando e sendo submissa a mulher branca) e proteger seus filhos e a si mesma do racismo sangrento do período em questão.

Outro momento histórico que marca a segregação racial presente dentro do movimento feminista é o período da segunda onda feminista, nele questões sobre sexualidade se mostra como forte candidato de pautas, as mulheres lutavam por questões como métodos contraceptivos e questionavam o sexismo. As mulheres negras, mas uma vez, não tinham suas reais dificuldades e problemas representados, alem de que as questões raciais ainda eram fortes. Com o avanço de tecnologias na área da saúde e como resultado de lutas sociais, mulheres que desejavam não ter mais filhos através de intervenção cirúrgica conseguiam efetivar seus direitos, porém a mulher negra que conseguia ter acesso a esse recurso se via diante de um processo mais doloroso se comparado ao de mulheres brancas, isso por que se acreditavam no mito de que mulheres negras possuíam maior resistência que mulheres brancas, assim sendo a quantidade de anestesia utilizada em mulheres negras, quando usadas, eram extremamente inferiores[2]. Cabe ressaltar que esse tipo de pratica ainda se faz presente na sociedade atual, não sendo um caso isolado do período da segunda onda.

A terceira onda feminista surge nos anos de 1980 e 1990, e sua vertente é originária, justamente, da interpretação desse cenário de indiferença de representações dentro do movimento em questão, as mulheres negras se percebem como grupo e entendem sua posição funcional social, já que por questões históricas a mulher negra, por sua vez, é submissa a mulher branca em contextos de hierarquia referentes à escravidão, a partir daí a percepção de interseccionalidade em que a mulher negra se encontra se torna visível, o feminismo negro serve para pensar a generificação da raça e a racialização do gênero, ele proporciona a ponte de ligação entre os dois “mundos” gênero e raça. A mulher negra precisa lidar com questões raciais, presentes no racismo estrutural, e em alguns casos por conseqüência, problemas sociais, desde o inicio de sua formação moral e ética as oportunidades atingidas por grande parte das mulheres brancas não chegam sequer a serem imaginadas por mulheres negras. Como disse Viola Davis em discurso no Emmy “a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é oportunidade”. A mulher negra não pode conseguir papeis na sociedade se eles nem mesmo existem. A diferenciação em que o racismo submete a variedade de mulheres encontra-se presente, da mesma forma em que diferencia homens de mulheres, na infância, pois enquanto mulheres brancas, geralmente, são educadas para serem delicadas, frágeis, para casar e se tornarem “mães de família”, a mulher negra é educada para servir a “mãe de família”, a promiscua, na maioria dos casos.
“Aquele homem ali diz que as mulheres precisam ser ajudadas em carruagens, erguidas sobre valas e ter o melhor lugar em todo lugar. Ninguém me ajuda em carruagens, ou em poças de lama, ou me dá o melhor lugar! E eu não sou mulher? Olhe para mim! Olhe meu braço! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. Arei a terra, plantei, enchi os celeiros, e nenhum homem podia se igualar a mim! Não sou eu uma mulher? Eu podia trabalhar tanto e comer tanto quanto um homem – quando eu conseguia comida – e aguentava o chicote da mesma forma! Não sou eu uma mulher? Dei à luz treze crianças e vi a maioria ser vendida como escrava e, quando chorei em meu sofrimento de mãe, ninguém, exceto Jesus, me ouviu! Não sou eu uma mulher?”
Sojourner Truth
O machismo estrutural da sociedade, ainda presente, na atualidade é responsável pela segregação e exclusão no que tange gênero, para além do machismo, as questões raciais ainda se mostram como fator determinante de inúmeras desqualificações do ser, além da estrema e expressiva violência e genocídio de um povo baseado em princípios infundados de uma superioridade racional inexistente, essas questões por si só, e separadas, já provocam desigualdades suficientes, para que ainda ocupem lugar em movimentos sociais, que em sua essência teriam que lutar contra as opressões, as questões raciais existentes no movimento feminista, como a retirada de fala de mulheres negras dentro desse ambiente que tenta se opor ao sistema patriarcal apenas enfraquece um movimento que por “natureza” já não possui visibilidade suficiente, frente às relações de poder direcionadas ao homem, branco, o questionamento que permanece é: um contingente de pessoas oprimidas pode em um determinado momento promover a opressão?
“Se a primeira mulher criada por Deus foi forte o suficiente para, sozinha, virar o mundo de cabeça para baixo, estas mulheres, juntas, devem ser capazes de colocá-lo de volta no lugar! E agora que elas estão pedindo para fazer isso, é melhor que os homens deixem que elas façam.”
Sojourner Truth
[2] Em alguns casos ocorria a esterilização forçada na tentativa de inibir o nascimento de pessoas negras, “embranquecendo” a população.
[1] Uma “onda” feminista foi um momento histórico relevante de efervescência militante e/ou acadêmica onde determinadas pautas e questões das mulheres se insurgiram e dominaram o debate. (QG feminista)