Sobre a obra :
Blade Runner 2049 é um filme dirigido por Denis Villeneuve e escrito por Hampton Fancher e Michael Green,baseado no livro Androides sonham com ovelhas elétricas?, do americano Philip K. Dick (1928-1982). Lançado em 1966. Tendo em seu elenco atores como Ryan Gosling e Harrison Ford,o filme retrata de forma sutil uma sociedade e um planeta distópicos, onde seres humanos “de carne e osso” são uma minoria e a sociedade é composta majoritariamente por máquinas,sendo o enredo do filme a busca de um replicante (máquina com uma inteligência artificial avançada) pela descoberta de sí mesmo e o que/quem ele é.

Algumas Reflexões…
Recursos naturais se tornaram raros devido a devastação do meio ambiente com o passar dos anos. Madeira de “árvores de verdade” tem um valor muito alto. Muitos lugares do planeta,através do trabalho fotográfico detalhado do filme se tornaram completamente vazios e desolados,muitos até mesmo tendo altos níveis de radiação. Implica-se que o planeta não conseguiu sobreviver aos próprios seres humanos,não só por causa do “Apagão”,mas também pela degradação no decorrer dos anos. O estado lamentável dos cenários é retratado de uma forma que mescla entre o perturbador,o vazio e o belo,levando o espectador a se sentir lado a lado com o protagonista enquanto ele vaga por estes ambientes.
Um vídeo curto com edição contendo algumas cenas que destacam os cenários : https://www.youtube.com/watch?v=Yy9YXhcm0PA

A idéia de que a tecnologia evoluiu ao ponto de se tornar uma tarefa difícil distinguir o que é um humano real e uma máquina é um dos principais tópicos abordados no filme. Pois afinal,o que seria ser um humano e o que significa existir ? O protagonista,oficial K possui memórias nas quais ele não sabe se de fato viveu ou se são memórias implantadas,também artificiais,e após a descoberta da existência de um suposto humano vagando por ai e a suspeita vinda dele mesmo de que ele seria esse humano,começa uma busca frenética e desesperada em descobrir sua real origem. Memórias moldam quem cada um é,o que significa que através das memórias artificiais seria possível criar qualquer replicante que tenha vivido qualquer tipo de experiência, assim como as pessoas possuem sua própria história individual,também é possível criar essa individualidade com as máquinas no universo da obra. Com um comportamento,hábitos, pensamentos e sentimentos completamente mimetizados de humanos e até mesmo memórias moldadas de acordo coma vontade do criador.Porém,a diferença entre um replicante e um humano é a de que um replicante ou qualquer inteligência artificial nasce com um propósito pré definido,seja o de fazer um trabalho,ou apenas fazer uma tarefa específica que ela terá de seguir e muito provavelmente vai,porque é apenas pra isso que ela existe,diferentemente de seres humanos que nascem e definem um propósito pra própria existência e tem uma liberdade inerente (que também pode ser tirada por outro ser humano em certas ocasiões) e capacidade de sentir e pensar por si próprio de forma natural,não de uma forma programada de acordo com os desejos de outro.
K é basicamente um escravo,que foi feito com o único propósito de seguir ordens de forma calada e obediente,que não é ninguém especial e não tem nenhum propósito de vida ou algum tipo de conexão, sendo a mais próxima e maior seu relacionamento com a inteligência artificial JOI,que é um holograma da imagem de uma mulher (interpretada por Ana de Armas) que diz “tudo o que você quiser ouvir” e JOI independente da situação irá validar K,ou quem for o dono da unidade dela pois este é o seu propósito e é pra isso que ela serve. Simular uma namorada/esposa perfeita. E ela não tem outro significado pra existir não sendo esse,o que é deixado claro no filme quando K a desliga nos momentos que não quer seus serviços.Como um legítimo produto sem vontade própria.

A idéia de saber que era alguém especial e não apenas uma máquina programada pra seguir ordens o deixa excitado ao ponto de ele iniciar uma busca desejando por dentro ser a tal “criança especial” que seria o filho de Rachel,uma replicante que foi capaz de engravidar,pois seria realmente muito satisfatório até mesmo pra uma IA se sentir especial e não ser apenas um objeto descartável.
Mesmo nos tempos atuais,por mais que a sociedade não seja composta por replicantes ou qualquer tipo de robô ou IA super avançada,e sim seres humanos, ainda é muito fácil se identificar com a posição, sentimentos e situação do protagonista. Muitos vivem uma vida completamente robotizada,escravos de uma própria rotina criadas por si mesmos e pelo próprio sistema que exige que todos façam algo para que sobrevivam e não passem fome. Mas diferente de uma máquina,as pessoas sentem,e podem não aguentar esse tipo de vida. Ser só mais um trabalhador descartável que pode ser substituído facilmente quando morrer é algo que por dentro incomoda,e por isso é inerente o desejo de sentir que a vida tem um propósito e que existe uma razão para estar vivo.Uma razão que vai além de apenas trabalhar e repetir a mesma rotina todo dia até morrer.
Considerações Finais
A obra é linda tanto visualmente quanto no roteiro e compensa assistir cada minuto,tanto pela história que é intrigante,como também pelos personagens carismáticos,efeitos e ambientação. De uma forma fantasiosa, futurística e distópica,que ao mesmo tempo em que é muito distante da realidade consegue ser tão próxima,aborda temas que são importantes e podem até mesmo serem psicologicamente perturbadores. Como a ideia niilista de a vida não ter um propósito, a necessidade de ser especial e o desespero em imaginar a possibilidade de suas memórias serem falsas e não saber quem você de fato é, além de também fazer um paralelo entre os trabalhadores atuais que sofrem de uma alienação com a própria rotina e as máquinas presentes no filme.
Porém, vale lembrar que mesmo no fim,independente do que K fosse,replicante ou humano,o fato de ele ter decidido buscar sobre si mesmo e a diferença que ele fez na vida de outros personagens o tornou diferente e mesmo ele não sendo a criança procurada,ele ainda conseguiu através de suas atitudes e impactos ser alguém único e ser especial dentro de uma grande história na qual ele teve uma grande participação. Pois no fim,não é sobre ser ou não especial,e sim sobre como nossas atitudes impactam na vida daqueles ao nosso redor e consequentemente o mundo,pois são cada uma dessas pessoas que decidem fazer uma pequena diferença que acabam de fato tornando o mundo um lugar mais suportável e melhor. Na cena mais famosa do filme,onde K após perder tudo encontra um anúncio de JOI,e depois de uma fala icônica dela,ele percebe que mesmo não sendo “0 escolhido”,ele é capaz de fazer algo sobre a história na qual decidiu se envolver e mudar o futuro. Não é sobre ser especial,e nem sobre ser “o escolhido”,é sobre fazer aquilo em seu alcance e que há como mudar.

Feito por : Pedro S. Rodrigues Candido