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Ensinando sobre Liberdade no Jardim

por Caio Alexandre Negrão, estudante da Licenciatura em Ciências Sociais do IFG câmpus Anápolis

Que a filosofia grega é fundamental para compreender o pensamento ocidental é incontestável; e entre os filósofos gregos que contribuíram para a construção de uma “razão ocidental” está Epicuro, fundador da escola filosófica chamada Jardim. O presente ensaio trata justamente sobre o papel do ensino, da educação, na construção das liberdades individuais à luz dos ensinamentos do “Filósofo do Jardim”, o que é especialmente caro no Brasil atual, onde hordas inconscientizadas clamam pela violação de seus próprios direitos, reclamando a instalação de uma autocracia.

Hodiernamente ficou clara a relação entre Ciência, ou Epistemologias, para usar um termo de Boaventura de Souza Santos (2010), e a educação, mas pouco se diz do contributo da Ciência/Epistemologias para a liberdade. Neste sentido, o sociólogo lusitano questiona o “papel de todo o conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas” (Santos, 2008, p. 18), ao qual o próprio parece responder (Santos, 2010, pp. 45-47) com a conceituação do “pensamento abissal” e do “fascismo social” produzido pelo pensamento abissal. A Ciência, que surge com o propósito
de “desencantar o mundo” e libertar as mentes humanas das trevas da ignorância, parece ter contribuído para o reencantamento do mundo; isto ocorre quando supostos cientistas, valendo-se da chancela de verdade que lhes é conferida, resolvem abandonar as próprias verdades científicas, do método científico de experimentação, e passam a, em uma escancarada promiscuidade, relativizar seus próprios métodos em favor da propagação da ignorância.

Toda esta situação é evidenciada no Brasil com a pandemia do “Coronavírus”. Logo no começo da pandemia, médicos diversos sustentaram a utilização de medicamentos para o combate à pandemia, mesmo tendo a ciência de que os medicamento não se prestavam a combater o novo vírus. Estes mesmo médicos, não se comprometiam a assumir a responsabilidade técnica pela falha do medicamento, pois sabiam que ela era provável, talvez muito confiassem no efeito placebo, mas às custas da vida alheia, desde que isto não atingisse
a reputação de qualquer médico. É um claro exemplo do “pensamento abissal autofágico”, para inovar um pouco na categorização de Santos (2010); a caracterização da Ciência do Colonizador como selo de validade, em oposição à própria Ciência que não se subordina ao maniqueísmo colonialista. A Ciência serviu ao empobrecimento da vida humana, ao reencantamento do mundo, reforçando o fascismo social que produz mentiras disfarçadas de verdades e exige que a Ciência ateste uma veracidade inatestável.

Surge aí a grande contribuição do Jardim, como metáfora, no sentido de plantar o que se espera colher, e como metonímia, no sentido de revisitar o pensamento de Epicuro. No sentido metafórico está contido o anseio de uma educação que sirva, por mais contraditório que possa parecer o termo, à emancipação do pensamento, o anseio que uma educação que ensine sobre toda a ética da liberdade que a sociedade espera que seja respeitada por cada um
dos indivíduos que educa. Já no sentido metonímico, onde se toma a instituição (a parte) inventada por Epicuro pelo todo (o pensamento epicurista), reside a ambição de uma educação libertadora, uma educação que faça as mentes livres de fatalismos e outras variações de autoritarismos que agrilhoam os humanos ao fundo de uma caverna escura chamada ignorância. As duas coisas se confundem como elementos de uma antítese já presente no pensamento abissal colonialista que deverá reconhecer a falibilidade científica como contributo à emancipação humana, no momento em que, ruindo, estiver sendo negado em
favor do nascimento de epistemologias plúrimas.

Este é o principal compromisso da Ciência e da Filosofia no mundo atual, conscientizar os educandos de sua liberdade como meio de evitar fanatismos (Freire, 2018, p. 32) autofágicos, como os que puderam ser presenciados durante a pandemia do Coronavírus. Esta conscientização não tem limite etário, pois “ninguém é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito” (Epicuro, 2002, p. 21). Este processo deve permitir a cada
indivíduo a certeza de que “o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso” (Epicuro, 2002, p. 33), de modo que, cientes das responsabilidades, cada um possa viver prudentemente e honestamente, respeitando seu semelhante na mesma medida em que por
este deverá ser respeitado.

Na prudência, portanto, reside a maternidade/paternidade de todos os demais princípios (Epicuro, 2002, p. 45), razão pela qual, educar os indivíduos a partir desta, consiste em plantar a própria liberdade, que aqui pode ser entendida como livre arbítrio ou supremo bem. Então se poderá concluir que abdicar da própria liberdade não é uma opção válida, uma vez que quem o apregoa só o faz enquanto for livre para tal, o que consiste em grande desonestidade. Assim,
o Educador, o Cientista, o Filósofo deve ter sua conduta pautada pela prudência, visto que quando ela falta, são os grilhões que sobejam, de modo que, honestamente viver implica em não negar a emergência de novas epistemologias e nem servir ao encantamento e agrilhoamento humanos.


Referências


EPICURO. Carta sobre a felicidade – A Meneceu. São Paulo: Unesp, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 65a ed. Rio de Janeiro/ São Paulo: Paz e Terra, 2018.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 5a
ed. São Paulo: Cortez, 2008.

SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In; SANTOS, Boaventura de Souza. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010 . pp. 31-83.

Liberdade ou Utopia ?

Liberdade ? 

Ah, liberdade… Um simples substantivo, mas que aflige o ser humano desde os primórdios de sua história. O que é ela? Um conceito abstrato? O ápice da existência? Ou só algo ao qual buscamos sem saber exatamente o que é? 

 

De acordo com os conceitos mais conhecidos, liberdade é agir de acordo com a própria vontade, sem interferência de terceiros e sem prejudicá-los. Porém a liberdade se contradiz em seu próprio conceito, uma vez que alguém que queira matar o próximo tem sua liberdade ferida por não poder matá-lo, já que isso prejudicaria tal pessoa. 

Penso que a liberdade é uma utopia, ou até uma distopia. Utopia por parecer impossível alguém ser plenamente livre, já que absolutamente tudo o que nos cerca interfere sobre nossas decisões, ferindo diretamente o princípio de agir de acordo com a própria vontade, e consequentemente nos impedindo de ser livres. Fatores como cultura, religião, período histórico, família, mídia, ideologias e até o próprio Estado, que é responsável por zelar pela liberdade de cada um, interferem direta ou indiretamente em nossas ações. Distopia pelo simples fato de que se cada um fizesse oque bem entendesse, a sociedade entraria em caos total, e finalmente a liberdade coletiva seria vetada, pois o egoísmo e as guerras trariam destruição. 

De acordo com os filósofos contratualistas, o ser humano nasce naturalmente livre, mas o ambiente no qual vive faz com que ele tenha sua liberdade colocada em xeque a todo momento. Por isso o homem abriria mão de parte de sua liberdade para ser submisso a uma conduta social que faria com que todos vivessem em harmonia e teriam sua liberdade resguardada. Mas porque o ser humano abriu mão de algo que ele vive em busca desde que tomou consciência de si? A resposta mais plausível é que ele não queria se tornar escravo de sua própria vontade, pois a partir do momento que você carrega a bagagem de ser livre, você também tem que assumir as consequências de seus atos. Dessa forma é mais fácil ser escravo de leis, que pelo menos irão “proteger” seu direito de decisão e punir quem o prejudicar de alguma forma; do que viver com o “peso” de filosofar a cada escolha que precisar ser feita e ponderar cada reação que ela pode desencadear. 

Não se pode negar que a liberdade talvez seja um dos maiores focos de desejo que existem. Isso faz com que ela seja usada como instrumento de chantagem, já que a todo momento temos a liberdade ameaçada pela justiça, através da terrível punição que nos será dada se não 

andarmos nos conformes, que é exatamente a privação da liberdade. As leis são códigos éticos e morais que permeiam a vida social e ditam oque pode ou não ser feito. È de extrema hipocrisia prometer ao povo a liberdade, mas impor limites sobre ela, fazendo ela deixar de ser oque era essencialmente. Para ser livre verdadeiramente, o ser humano tem que poder fazer oque quiser, inclusive ser mal. A maldade é inerente ao ser humano se formos julgar de acordo com os valores atuais. Então o homem deve atender ao desejo entranhado em si, mesmo que infelizmente isso vá prejudicar alguém. 

Me arrisco a dizer que a liberdade é mais importante que a própria vida, pois desde a antiguidade clássica ou até mesmo antes, o maior instrumento de punição é a falta de liberdade. A escravidão, a prisão e tudo que prive o homem de agir minimamente da forma que quiser, é um grande ameaça, causa terror. Seria mais efetivo tirar a vida de um infrator, mas preferem torturá-lo tirando sua liberdade, causando traumas psicológicos neles.

A liberdade traz consigo o fardo da escolha, que infelizmente tem que levar em consideração a ética vigente, e eu particularmente não sou totalmente favorável aos valores éticos. Um livro e um filme me marcaram muito e que são repletos de dilemas éticos são Laranja Mecânica. Livro de Anthony Burgess adaptado por Stanley Kubrick em 1971. Ambos contam a história de um grupo de amigos que saem pela cidade para cometerem vandalismos; estupro; roubo e agressão. Um dia o líder do grupo, Alexander (Alex) é preso, e por ser um adolescente horrivelmente cruel, o governo vê nele uma potencial cobaia para um projeto de reinserção social. O projeto consistia em uma série de situações pela qual o detento teria que passar para “deixar de ser um mal cidadão”, como assistir filmes de guerra e estupro enquanto tem vontade de vomitar e etc. Com isso a cobaia estaria condicionada a não fazer mais tais coisas pois sentiria um desconforto físico muito grande. Alex aceita passar por essas seções de tortura para ter sua pena reduzida e se tornar alguém bom. Mas o cerne da questão é: seria justo praticar engenharia social com um cidadão para que esse deixasse de cometer infrações só pelo medo da dor física? Seria justo fazer uma pessoa deixar de agir conforme sua “natureza” através de algo tão superficial como o medo de ser punida? Ou seria melhor apenas deixar os infratores presos e depois eles serem libertos com a possibilidade de repetir tais atos? 

Trailer da adaptação de Laranja Mecânica.

Esse conflito tem uma dualidade muito difícil de se resolver. Ao aplicar tais métodos de “reabilitação” em Alex, estaríamos ferindo sua liberdade, pois ele é uma pessoa ruim naturalmente, uma vez desde criança ele comete esses tipos de atos sem nenhum motivo “justificável”, só por diversão. A maldade o faz feliz e dá prazer. Uma vez que ele não pudesse mais fazer algo que quer e se sente bem fazendo, a sua liberdade estaria sendo violada. O governo estaria tirando sua liberdade de escolha através da tortura. Alex ainda é uma pessoa ruim, ainda tem os mesmos pensamentos criminosos, mas a dor o obriga a não fazer mais oque gosta. Ele não é mais livre porque agora não tem mais escolhas. Além de tudo, é antiético provocar traumas e condicionar comportamentos nas pessoas, então estaríamos punindo uma pessoa antiética com algo antiético. 

Trecho do filme onde é apresentado o empasse sobre a liberdade de escolha do jovem Alex de forma explícita.

Porém, há algo que nos compactuar com essa experiência aplicada em Alex: a nossa própria liberdade. Quando pensamos que há alguém que pode a qualquer momento nos fazer algo de ruim, queremos que essa ameaça seja liquidada, então de início é automático que queiramos que Alex passe por procedimentos que mesmo que obriguem ele a não agir de certa forma, nos proteja de ter a liberdade violada em algum nível.

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De forma conclusiva, eu deduzo que a tal liberdade pela qual almejamos não existe, pois nem sequer saber exatamente o que ela é. E mesmo que ela seja oque os dicionários dizem, é impossível que ela seja pura, pois não podemos agir sem interferências externas, por mais indiretas que sejam. Então para sabermos oque palavra liberdade é, precisamos vivê-la, e não passar a vida as sendo escravos pela pela sua busca ou refletindo eternamente qual seu verdadeiro significado.

(Autora: Kathlyn Jullie)

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