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Men Against Fire, fake news e bolhas sociais.

Não sabemos exatamente quando isso acontece ou onde acontece. Simplesmente observamos um exército que, urgentemente, deixa a base militar para ir para uma cidade onde, segundo os moradores, parece que houve um assalto. Eles dizem que foram novamente as “baratas”. A partir desta primeira cena o espectador pode intuir que as chamadas baratas constituem uma guerrilha que perturba e põe em perigo a ordem estabelecida. Tudo aponta para que as baratas agem como maquis: refugiam-se no mato, mas eles frequentemente descem às aldeias para roubar comida e estocar provisões. O exército tem que intervir para que a região recupere a calma e tudo volte, assim que possível, à normalidade. Então tem início “Men Against Fire”, quinto episódio da terceira temporada de Black Mirror —série criada por Charlie Brooker—, que foi lançado na Netflix em 21 de outubro de 2016. Black Mirror, além de ser uma obra de entretenimento, é uma série que tem explorado, através de ficções situadas em futuros não muito longe, os efeitos nocivos que tem, ou poderia ter, tecnologia em nossas vidas. Black Mirror mostra como avanços tecnológicos não funcionam como uma tecnologia de si, esta é, como um dispositivo que permite ao sujeito realizar sua individualidade de forma plena e autônoma, ou

“(…) A “alma coletiva” que, segundo Freud, é diferente do que seria a soma das vontades singulares que a compõe, se sente aparada amparada pelo grupo e capaz de cometer ousadias que o indivíduo, sozinho não cometeria” (Freud. )


“Men Against Fire”, mostra a relação entre os avanços tecnológicos e sua aplicação em contexto de guerra. O capítulo leva o título do livro de um general da Segunda Guerra Mundial Mundial, S. L. A. Marshall, intitulado Men Against Fire Batalha (1947). Em seu livro, o general declara, segundo Wikipedia, que “durante a Segunda Guerra Mundial, 75% dos soldados não disparariam seus rifles, mesmo sob ameaça imediatamente e, de fato, a maioria deles, quando o faziam, visavam acima da cabeça do inimigo” (“Homens Contra…”). o episódio que que estamos prestes a analisar levanta a maneira pela qual seria possível fazer humanos perderem sua humanidade através do uso de tecnologia de guerra, através da aplicação de um dispositivo capaz de superar os limites que ao serem humano em tempos de guerra.


Para isso, Black Mirror leva plataformas existentes ou redes sociais e exagera seu funcionamento, levando-o ao extremo, para encenar como, longe de liberar nossa subjetividade, essas ferramentas acabam sequestrando a liberdade.


Na primeira cena, e no início da nomeação do inimigo como barata, um dos princípios básicos da propaganda de guerra. A historiadora belga Anne Morelli, em um livro intitulado Princípios Elementares da Propaganda de Guerra (2001), entende, numa espécie de decálogo, as narrativas que se ativam durante conflitos de guerra para legitimar atos de guerra e violência. Vários desses princípios elementares da propaganda de guerra são presentes no capítulo “Men Against Fire” de Black Mirror, mas aquele que é mostrado de forma mais transparente, talvez seja o terceiro ponto da lista feita por Morelli: “O inimigo tem cara de diabo” (ib: 21-26).

O inimigo é a personificação do mal e, em consequentemente, carece de características humanas. Há uma desumanização do inimigo que, no caso de “Men Against Fire”, é realizado através de sua animalização: o apelido de barata é uma forma de subtrair — ou de negar a humanidade a esses indivíduos. A desumanização/animalização do inimigo funciona como estratégia ideologia de construção da alteridade. Isso desenha uma linha que divide e distingue entre nós, os membros de uma comunidade que vive —ou finge viver— pacificamente no interior dela, e as outras que, de um exterior ameaçador e desestabilizando, colocando em risco a comunidade.

Este princípio elementar da propaganda de guerra funciona, então, como uma ficção imunidade que a comunidade constrói para se proteger desse outro
construído como um inimigo. Para que a comunidade sobreviver você deve aniquilar as baratas, fazer o inimigo desaparecer da face da terra. Esta é a “dura verdade” biopolítica: a sobrevivência da comunidade passa por “sacrificar as baratas”. Porém, está “dura verdade” não passa de uma ficção construída. A celeridade típica da Sociedade da Informação é um dos fatores que acabam por corroborar com a problemática de compartilhamento de informações. Somos bombardeados a cada segundo com dezenas de notícias, imagens, vídeos e áudios, nos fazendo muitas vezes não checar a veracidade daquele conteúdo. Dentro de nossas bolhas encontramos conforto e estamos protegidos por uma rede criada para nos passar a sensação de que sempre estamos com a razão.

A sociedade do fluxo informacional, a velocidade das redes sociais, dos aplicativos, tudo nos deixa inquietos, e a inquietude só causa prejuízos: compartilhamos o que não lemos, aceitamos a sedução como verdade, pois ela nos conforta no momento de angústia (FERRARI, 2018). Ocorre que esse grande fluxo de informações que recebemos habitualmente é pensado de maneira proposital para que não tenhamos tempo de analisar e verificar tudo. Na dúvida de se aquilo é verdade ou não, se segue o mesmo padrão do que já acreditamos, simplesmente é aceito como verdade. Ferrari (2018) discorre que vivenciamos o líquido, pelo volume de postagens, o cérebro não tem o tempo necessário para verificar a veracidade das informações expostas. A título exemplificativo, os usuários compartilham a informação apenas pelo que está escrito no título, sem de fato ler o corpo do texto ou verificar a fonte usada para aquela informação. Toda violência será legítima.

Não é absurdo pensar que em “Men Against Fire” o fato de que esta cena termina, uma vez que os soldados descobriram a presença de baratas – e, é fácil imaginar, sua subsequente tortura e assassinato – de um civil, mostra até que ponto, em tais condições, tudo é permitido. A distinção entre soldado e civil : todos são inimigos em potencial e, se necessário, os civis também serão aniquilados se seus atitude, ainda que passivamente, põe em risco a imunidade da comunidade.

A cenas iniciais representam a primeira “caçada” — assim chamado, no jargão militar do capítulo, promover semduvidar da desumanização/animalização do inimigo— de Stripe Koinange, o protagonista de “Men Against Fire”. Stripe chama a si mesmo pelo primeiro nome, não pelo sobrenome, impronunciável para o seu amaradas nas forças de ocupação. Este fato denota que o Stripe não chegou ao local com o resto das forças coloniais, mas é um nativo recrutado. Stripe encarna aqueles jovens sem vocação, esperança ou expectativas que se alistam no exército na ausência de um horizonte de prosperidade e bem-estar (o descobriremos no final do capítulo através de um flashback).

Em sua primeira caçada, Stripe verá as baratas pela primeira vez. o espectador também os verá pela primeira vez, através dos olhos do recruta. Na verdade, eles não são como nós; em vez disso, eles são como monstros. Não há humanidade em seus rostos. A tensão o drama da cena atinge seu ápice quando Stripe é visto com sérias dificuldades em se livrar de um dos inimigos, com quem manterá o combate corpo a corpo, até que finalmente alcance e o mate esfaqueado o mesmo repetidamente no coração.

Durante o combate, a barata havia retirado um aparelho, aparentemente inofensivo, emitindo uma luz verde. Tudo o que ela fez foi mostrar para o soldado, o colocando diante de seus olhos.

De volta à base, Stripe começa a se sentir mal. ele não dorme bem e ele tem sonhos eróticos, que descobriremos mais tarde, são programados por aqueles que detêm o poder— fica tonto, percebe sons que antes não percebia e, nos campos de treinamento ele falha em um dos treinamentos e, então ele visita o médico que, não detectando qualquer doença física, recomenda que ele visite o psicólogo para avaliar se você sofre de algum transtorno pós-traumático. Arquette, esse é o nome do psicólogo, pergunta que ele conte a ele sobre seu confronto com a barata. A primeira coisa que impressiona Arquette e sem dúvida o deixa preocupado é a humanização espontânea que Stripe faz do inimigo de todos, ao se referir a ele por meio do pronome ele, reservado em inglês para assuntos humanos, em vez de usar “isso”, em relação ao coisas ou outros assuntos sem humanidade:


Stripe: (…) ele (ele) estava no chão comigo.
Archette: Ele? (Hã?)
Stripe: Isso era um ele (era um ele).

Stripe, com sua resposta não foi com intencão para marcar o gênero humano da barata – que sem sem dúvida preocupa Arquette – mas como uma marca do gênero masculino. Dentro
Em todo o caso, para saber as razões desta humanização, Arquette então o questiona sobre seus sentimentos, pede-lhe para Expresse o que você sentiu em sua luta corpo a corpo contra a barata:


Arquette: E o que você sentiu?
Stripe: Como…?
Arquette: Emocionalmente.
Stripe: Eu não senti nada. Quer dizer, foi muito rápido. Foi um
ato de legítima defesa eu estava, eu acho, aliviado.
Arquette: Apenas aliviado?
Stripe: U-uh.
Arquette: Não é incomum experimentar outros sentimentos. Euforia, mesmo.
Stripe: Sim, eu acho. Não sei, talvez eu tenha sentido, não sei…
Arquette: Mais alguma coisa?
Stripe: Sim, tipo…
Arquette: Arrependimento?
Stripe: Mais ou menos, mas não sinto mais.
Arquette: Então, você faria de novo?
Stripe: Sim, claro.
Arquette: Então… por que você está aqui? [risos]


Sentimento de alívio e euforia são aceitáveis, mas não os de arrependimento e a cena termina com risadas, após Arquette certificar que Stripe agiria da mesma forma se uma situação semelhante ocorresse, é possível interpretar que aquela risada realmente esconde uma desconfiança e uma preocupação por parte do psicólogo. Arrependimento pode ser um indicativo de que uma fissura se abriu em sua consciência.

“(…) a novidade, para a qual Freud começa a preparar o leitor, é que o coletivo e o individual obedecem à mesma estrutura e respondem às mesmas leis. A diferença está em que forças do desejo que permanecem “sob controle” (reprimidas e recalcadas) no individuo resultam desencadeadas no grupo. Como se para cada um dos participantes não fosse mais necessário cuidar das regras de polidez. ” (Freud)


A partir dai o tom da episodio muda e uma nova visão das baratas é mostrada. Uma vez que, o aparelho visual do personagem principal começa a falhar, a imagem das baratas vira algo mais humanizado, trazendo duvidas em Stripe. Assim há uma quebra na expectativa dando dos espectadores quando do personagem, esse conceito é explorado a partir de um dialogo iniciado por uma mulher que se enquadra nas características das baratas.


De acordo com o filosofo Karl Popper, no seu livro A Sociedade Aberta e seus Inimigos, de 1945, fala sobre a importância de praticar a tolerância, mesmo que isso leve a não tolerar a intolerância, ideia que foi denominada como Paradoxo da Tolerância. Para chegar ao nível de tolerância, proposta por Popper, é necessário que os indivíduos utilizem direito do dialogo baseado em argumentos racionar.

“Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes. Desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente.”(Karl Popper)


Baseado nisso, o dialogo entre os dois personagens se torna um tópico importante no “estouro” da bolha que Stripe esta incluído. Com isso o personagem se questiona sua ações como um individuo da sociedade.

Já no final do episodio, Arquette propõem em a volta do Stripe para o conforto da bolha ou viver lembrando dos acontecimentos como algo ruim. E é desse jeito que “Men Against Fire” fazendo questionamentos sobre a sociedade, bolhas sociais e “fake news”.

Altores: Pablo Silva e Luann Felipe.

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